29 junho, 2012

Não sei.



"Não sei. Falta-me um sentido, um tacto

para a vida, para o amor, para a glória...

Para que serve qualquer história,

ou qualquer facto?

Estou só, só como ninguém ainda esteve,

Oco dentro de mim, sem depois nem antes.

Parece que passam sem ver-me os instantes,

mas passam sem que o seu passo seja leve.

Começo a ler, mas cansa-me o que inda não li.

Quero pensar, mas dói-me o que irei concluir.

O sonho pesa-me antes de o ter. Sentir

é tudo uma coisa como qualquer coisa que já vi.

Não ser nada, ser uma figura de romance,

sem vida, sem morte material, uma ideia,

Qualquer coisa que nada tornasse útil ou feia,

Uma sombra num chão irreal, um sonho num transe."

1-3-1917

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
 - 20.

Atribuição a Campos rejeitada: Álvaro de Campos - Livro de Versos. Fernando Pessoa. (Edição Crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.

"The chameleon is a shame-leon."

http://www.youtube.com/watch?v=0DwzEBcjaC4&feature=related

"O camaleão é o papagaio das cores."

http://www.youtube.com/watch?v=kLBIexwg5eM&feature=related

Do terror e do emprego do terrorismo.

Você começa a ler um artigo sobre a iconografia de anjos na História da Arte (1) - talvez a mais alta das abstrações a que alguém poderia recorrer para fugir ao cotidiano - e, sem que você se dê conta, eis que a realidade - política, como não poderia deixar de ser - invade a leitura, agarra-se à interpretação, lhe puxando de volta num turbilhão que acaba, vez após vez, no impacto doído contra o concreto armado.
E há acaso algo que escape à gravidade do contemporâneo?

"Kant despoja a estética de Burke do que penso ser o seu maior desafio: mostrar que o sublime é provocado pela ameaça de nada ocorrer. O belo dá um prazer positivo. Existe, porém, outro tipo de prazer ligado a uma paixão mais forte do que a satisfação, que é dor e a aproximação da morte. [...] No léxico de Burke, esta paixão extremamente espiritual chama-se terror. Ora, os terrores estão ligados a privações: privação da luz, terror das trevas; privação do outro, terror da solidão; privação da linguagem, terror do silêncio; privação dos objetos, terror do vazio; privação da vida, terror da morte. O que é assustador, é que o 'ocorrerá' não ocorra, cesse de ocorrer.
Para que este terror se misture com o prazer e componha com ele o sentimento sublime, é ainda necessário, escreve Burke, que a ameaça que o engendra seja suspendida, mantida a uma certa distância, retida."(2)

Sublime... e estranhamente familiar.
A propósito, uma das possíveis origens da palavra sublime é a concepção de se estar sob o estrado de uma porta a comtemplar a amplidão que não encontramos no interior. Do latim sub (sob) + límen ou limis (o limen, o lintel), que está também ligada à noção de limiar, "estar no limite", a um passo além do qual a segurança, sumamente doméstica, estaria ameaçada (sensação de deja vu).
Tudo isso nos faz pensar sobre uma certa incoerência da noção de "ação terrorista". Afinal o que é o terrorismo senão um suspender, um paralisar?
Não poderia o terrorismo, no final das contas, ser definido como um mal-Estar instituído e generalizado?





(1) CALIANDRO, Stefania. O Anjo na Arte Contemporânea -  iconologia de uma presença da ausência. Cadernos de Semiótica Aplicada, Vol. 7.n.2, dezembro de 2009.
(Hiperlink disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/casa/article/view/2322/1872)

(2) LYOTARD, [1988a, p. 110 do original] 1989a, p. 103. Retomando e criticando Kant a propósito do sublime, Lyotard (ibidem, [p. 110-111] trad. portuguesa. p. 104) Apud. CALIANDRO, op. cit.