26 dezembro, 2010

Górgona

Vez por outra a gente se depara com belezas de dar medo, das quais a gente não consegue se desprender. O preço por mirá-las são os próprios olhos.

04 dezembro, 2010

Music.

http://lab.andre-michelle.com/tonematrix

In a bottle.

Fico me perguntando, posto que matamos Deus, se, no silêncio da madrugada, absolutamente só, faço sentido, existo de fato... (mais um trago)
Posso compreender porque buscamos continuamente fazer coisas, estar em contato com alguém. É medonho estar só, existir. Ou não existir. (mais uma dose)
Há na natureza animais que sobrevivem predominantemente solitários.
Nós, contudo, sempre buscamos como espécie estar agrupados; perpetuamo-nos no seio do grupo, em conjunto, na segurança do clã. Até por questões de fragilidade e limitações anatômicas. Será? Originariamente, talvez. (pausa pra encher o copo e...)
Mas mesmo que assim não fosse, no fim, somos - eu, você - sós.
Antenados, sem dúvida, também somos nós, nódulos, trama.
Somos, porém, Sapiens sapiens. Drama. (Sim, pode deixar a garrafa, por favor)
Somos Sapiens.
Cosmopolitas.
Cosmolascados.
Somos foda!
Somos fósseis.
Somos fácies.
Somos complexos.
Complexados.
Somos pós.
Somos modernos.
Somos pó.
Retornaremos?
Somos sós.
SOS!

(burp)

Ou melhor, SMS.

Garçom! (Como assim foi embora? Deus...)
Beijo, me liga.



Só.

08 novembro, 2010

Noite de Caricaturas

Noite de 'caricas' em festa de casamento (novembro de 2009). Quatro horas de caricaturas. Ufa! Quase uma maratona. Confira algumas:














06 novembro, 2010

O Pitoresco segundo Pevsner*

Do objeto de estudo

Trata-se da transcrição de uma Conferência de Nikolaus Pevsner, estudioso de História da Arte, em especial da Arquitetura, proferida no Real Instituto Britânico de Arquitetura no ano de 1947 e cujo tema abordado é o pitoresco. Numa ordenada e crescente sucessão de desdobramentos, o autor parte da definição etimológica, passando pelo histórico do termo e seguindo através de uma rica sucessão de exemplos e imagens - ora da história da pintura, ora do panorama da arquitetura em si - rumo a uma sempre maior compreensão, em extensão e profundidade, do que foi arquitetura pitoresca na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, suas interações com o clássico e com o Moderno e o caráter permanente de seus elementos que sensivelmente emanam do complexo quadro da contemporaneidade do século XX. Pevsner convida, por fim, à reflexão sobre a necessidade de reconhecer, hoje, o pitoresco; redefini-lo, reinventá-lo, fazendo frente aos novos desafios que demandam soluções criativas, eficazes e harmônicas aos atuais problemas de planejamento e ordenação do espaço humano.


Picturesque

O mote do autor em sua muito didática explanação está fundamentado na sua questão inicial, na pergunta mesma acerca do o que é o pitoresco. É ela o nervo central que permeia todo o corpo da argumentação subseqüente, conduzindo o olhar numa bem orientada espiral descendente, até uma profunda e eficaz apreensão do conceito.
O primeiro movimento parte naturalmente da análise etimológica: pitoresco é aquilo que salta aos olhos do pintor, o que é sentido como motivo apropriadamente “pintável”, “pittoresco”. Tomando como exemplos paisagens e edifícios retratados na História da Arte européia, o autor pergunta-se /-nos: Como pode haver algo universalmente, ou mesmo culturalmente pitoresco, quando há no âmbito da pintura tanta variação de motivos, cada um deles chamando a atenção de um artista em particular? E por que nos dispomos tão prontamente a chamar algumas expressões de pitorescas e outras não?
Cambiando então a perspectiva, Pevsner apela para o histórico do termo a fim de que uma contextualização bem feita possa dar cabo da ambigüidade do conceito. O panorama é a Inglaterra do séc. XVIII cujas pinturas ostentam paisagens carregadas de contrastes, ferocidade, um caráter inóspito, quase hostil e onde as construções retratadas quase perdem sua solidez e permanência, repletas que estão de linhas dinâmicas, imprevisíveis. A arquitetura da época, porém, não parece refletir as mesmas inquietações da pintura. Com blocos ordenados, simetricamente dispostos e de uma leveza imperturbável nas formas e texturas, transparecem o clássico e o equilibrado, sem muito de pitoresco. Qual é a questão então?
Recorrendo mais uma vez à instância da pintura, o autor aponta um aspecto significativo: o contraste se revela, pois, na polaridade rigidez/ informalidade, na inquietude do conjunto construção/ paisagem. Essa composição do arquiteto/ pintor é, muitas vezes, não acidental, mas deliberadamente pitoresca. Impecáveis pórticos com colunas encimadas por frontões triangulares compõem com a irregularidade revolta e desordenada da vegetação. O pitoresco da época é o paisagístico.
Posto isto, resta definir quais suas características essenciais e então, pensar a aplicação intencional, de tais elementos na arquitetura, preservando a funcionalidade. Para isso, Pevsner volta-se novamente aos artistas, não só pintores, mas aos acadêmicos, autores, paisagistas do século XVIII. Das percepções desses homens, depreende critérios que constituem o contraste, a rusticidade, a variação súbita, a irregularidade, a intricidade, uma incongruência levemente sugerida, a complexidade e o movimento. Outros aspectos passam pela superfície, textura, luz e sombra, projeções e recuos, desenho da linha do horizonte.
Mas, ora, eis algumas preocupações que concernem também à arquitetura clássica. Anuncia-se aí uma linha tênue, flutuante, entre o clássico e o pitoresco, como que uma intersecção entre essas linguagens, na medida em que o conhecimento sobre o pitoresco aumenta e o conceito se dilata. Assim, o autor chega a uma efetiva definição do que seja o pitoresco e, conseqüentemente da arquitetura pitoresca (a saber, aquela em cujo domínio tais critérios de rusticidade, irregularidade, etc. se aplicam). Traça em seguida, o itinerário desta pelos séculos XIX, onde é aceita como válida estritamente para edifícios individuais, e ruma ao século XX, onde essa vertente é confrontada, com reações de repúdio, de apelo a um retrocesso ao belo clássico e de resgate da beleza simétrica, estritamente formal. Assim mesmo, ela perpetua-se na arquitetura formal de pequena escala, dos jardins, numa espécie de retorno ao paisagístico.
Por fim, o autor/ preletor chama a atenção para a importância de uma atitude não ingênua em relação à aplicação da arquitetura pitoresca no cenário moderno. Reforça a consonância e correspondência entre, de um lado, os velhos princípios consagrados pelos mestres do século XVIII, e por outro lado, as expressões recentes da arquitetura moderna, aberta, abrangente e dinâmica, frente aos desafios que naturalmente surgem da complexidade das relações no espaço social e urbano.

Panorama histórico

Se voltarmos o olhar para a Europa do século XVIII o que vemos é um borbulhante caldeirão de acontecimentos políticos, econômicos, científicos, religiosos e artísticos. Isso também se aplica naturalmente à Inglaterra, frequentemente associada ao temperamento fleumático e extremamente racional imputado aos seus compatriotas. Temos aí a recente Revolução Inglesa que, junto com a crescente Revolução Industrial, estabelece as bases para o modo de produção capitalista e cria um panorama de tensões. Forças conservadoras e liberais, simpatizantes do antigo regime e a nova burguesia no poder, classe empregadora e proletariado. Nas ciências Físicas e Astronômicas cada vez mais desenvolvidas, ainda ecoam as descobertas das complexas relações do movimento elíptico de Kepler. E o rápido crescimento urbano, quase desordenado vigora no acelerado “spreading out” orgânico das cidades a despeito da decidida postura inglesa de manter-se a uma distância razoável dos excessos do barroco. Enquanto isso, no campo da Estética trava-se um caloroso debate a respeito da questão da identidade entre beleza e proporção das partes, da correspondência entre o belo e o simétrico. Pintores, escultores, acadêmicos, poetas, arquitetos, filósofos buscam definir a essência e as características do belo, que desdobra-se num caleidoscópio de novas categorias. A “Grande Teoria” renascentista, com seus cânones e regras para a produção e a apreciação da beleza, dão lugar a uma beleza inquieta e intimista. Esse estado de tensão reflete o sentimento de que há, entre a sobriedade da razão e as “volutas” do sentimento dos sujeitos particulares e imaginativos um “je ne sais quoi”, uma beleza indecisa, que não se sabe ao certo onde reside, se na coisa bela ou no espírito que a percebe. Nomes como Diderot, Edmund Burke, Willian Hogart esforçam-se exaustivamente na tentativa de definir o que seja essa beleza (a ponto de fazer o filósofo David Hume aceder ao senso comum e, a certa altura do debate, exclamar categoricamente: “Gosto não se discute”). É nesse cenário que surge o termo “pitoresco” como categoria estética, modalidade do belo, junto a outras como a “beleza vaga”, o sublime, o estupefaciente...
Expressivo é o fato de que Sir. Pevsner resgata esse conceito numa época tão conturbada como o pós II Guerra que expõe de modo tão brusco e toda a complexidade do ser humano (ele mesmo, embora em princípio simpático a algumas resoluções do regime, era de família judia e, já aos 38 anos de idade, morando e trabalhando na Inglaterra, recebe a notícia de que a mãe se suicidara para fugir aos campos nazistas).
Também hoje vivemos desafios grandiosos em relação às relações com nossos semelhantes e no tocante ao tratamento que damos à paisagem que habitamos. Novos problemas que se anunciam e que parecem soar tão distantes - falta d’água, aquecimento, colapso dos serviços, apatia, intolerância, violência - são parte de nosso cotidiano, de um modo ou de outro.
Penso ser a arquitetura um meio privilegiado, não só puramente instrumental, mas profundo, de manifestar essas preocupações comuns, antigas e contemporâneas. Ela, que também goza dessa tensão essencial entre técnica e arte, produtora do útil e fonte criadora do belo, constitui um instrumento igualmente privilegiado de fazer nascer do espaço e no espaço, interações, soluções, resoluções e novas provocações.

Sobre o autor

Pevsner, Nikolaus Bernard Leon, Sir; (1902- 1983).
Embora reconhecidamente britânico, nasce em Leipzig, Alemanha, numa família judia. A ausência do pai, um comerciante de peles, durante os anos da I Guerra Mundial permite a Pevsner freqüentar a “St. Thomas School” (curiosamente a mesma escola onde, quase 200 anos antes, J. S. Bach exercia a função de Cantor). Estuda História da arte em diversos estabelecimentos e sob vários mestres, que lhe influenciam fortemente o espírito. A lista inclui as Universidades de Munique (Heinrich Wölfflin), Berlim (Adolf Goldschmidt) e Frankfurt (Rudolf Kautzsch). Entre suas primeiras influências figuram também Emile Mâle (“Arte Religiosa na França do Século XIII”), Bruno Gebhardt (“Manual de História Alemã”) e Siegmund Hellmann (“A Idade Média até a saída das Cruzadas”).Em 1924 retorna à sua cidade natal e escreve sua dissertação, sob a orientação de Wilhelm Pinder. A tese versa sobre a arquitetura barroca de Leipzig.
Imediatamente após, deixa o lugar e vai trabalhar, voluntariamente, como curador assistente em Dresden, até o ano de 1929. Nesse ínterim, assiste, em Dessau, o surgimento da Staatliches Bauhaus de Walter Gropius e também do “Pavillon de L'Esprit Nouveau”, por representantes do purismo francês como Le Corbusier. Esses dois eventos de certa forma mudam sua trajetória.
Sua dissertação aparece publicada sob o título “A Pintura Barroca em terras latinas”, o primeiro de dois volumes sobre Pintura Italiana - o segundo escrito por Otto Grautoff - ambos compilados no 25o volume do prestigiado “Manual de Pesquisa da Arte”, série iniciada por Fritz Burger. Muda depois para Göttingen em 1929, onde leciona por um período de cinco anos. Em 1936 Pevsner publica seu primeiro livro em língua inglesa, “Pioneers of the Modern Movement”, corolário de sua viagem de pesquisa na década de 1920. Nesse mesmo período, começa a escrever para o “Architectural Review”, sob a coordenação de James Richards (mais tarde, durante ausência de Richards, assume o cargo de editor). Seu livro “Academies of Art”, de 1940, é dedicado a Pinder. Também nesse ano, recebe de Allen Lane, fundador da Penguin Books, incumbência de escrever uma publicação intitulada “Outline of European Architecture”.Inicia-se assim uma longa e profícua parceria entre Pevsner e a Penguin Books. Transcorridos cinco anos, sugere a Alen a produção do periódico “Buildings of England”, baseado nos guias de Georg Dehio, na Alemanha e propõe ainda uma versão inglesa do “Manual”, de F. Burger. Pevsner o edita em pessoa e o resultado é o “Pelican History of Art”, cujo primeiro volume é lançado em 1953.
Pevsner teve uma relação amigável com Ernst Gombrich, Fritz Saxl, Rudolf Wittkower e Edgar Wind, particularmente por ter dedicado seu “Academies of Art” a Pinder. Em 1946, após uma série de tentativas frustradas de transmissão pela BBC, Pevsner o faz através da "Third Programme" associada à BBC. Entre 1946 e 1950, ministra nove preleções examinando temas ligados à pintura européia. Concomitantemente, exerce o posto de Professor em Cambridge (1949-1955). Eventualmente realiza mais de setenta e oito discursos para a BBC até 1977. Em meados dos anos 70, crescentes questionamentos são levantados a respeito de sua metodologia como historiador da arquitetura e chega-se mesmo a duvidar abertamente de sua objetividade como crítico, devido à sua “indisfarçável lealdade a Gropius e ao modernismo”, além de acusações de que tenha inclinações nacionalistas. Passou seus últimos anos lecionando e viajando em pesquisas, para dar prosseguimento ao “Buildings of England” e “Pelican History of Art”.


Referências

ECO, Humberto. História da Beleza. Rio de Janeiro: Record, 2004, passim.

Dictionary of Art Historians, The
http://www.dictionaryofarthistorians.org/pevsnern.htm;
Portal São Fancisco
http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/revolucao-industrial/revolucao-industrial.php

*O presente texto data de junho de 2008.

E coisa e tal. E tal e coisa.

"Por um momento, êle se sentiu furioso. Naquele mês, volvido desde que a conhecera intimamente, modificara-se a natureza do seu desejo. No comêço, pouca sensualidade houvera nele. O primeiro contacto amoroso fôra simplesmente um ato de volição. Mas depois da segunda vez as coisas haviam mudado de figura. O aroma dos cabelos, o gôsto da bôca, a maciez da pele pareciam havê-lo penetrado, ou envolvê-lo. Ela se tornara uma necessidade física, algo que não apenas queria como sentia ter direito a gozar. Quando Júlia anunciou que não poderia ir, teve a impressão de estar sendo lesado. Mas naquele momento a multidão os apertou e, acidentalmente, as mãos se encontraram. Ela apertou-lhe ligeiramente as pontas dos dedos, num gesto que parecia pedir não desejo mas afeto. Winston raciocinou que, quando se vive com uma mulher, êsse tipo de desapontamento deve ser uma coisa normal, que acontece mais de uma vez; de repente, domínou-o uma profunda ternura, como nunca sentira antes. Desejou que fossem um casal com dez anos de existência em comum. Desejou passear com ela pelas ruas, como estavam fazendo naquele instante, mas abertamente, sem medo, falando de frivolidades e comprando pequenas bobagens para o lar. Desejou, acima de tudo, que tivessem um lugar onde ficar a sós, sem sentir a obrigação de fazer o amor, cada vez que se encontravam."

(George Orwell in 1984)

28 outubro, 2010

No meio do caminho.

Havia passado seis meses em Guarulhos, predominantemente em meu percurso casa-Universidade; os últimos dias praticamente sem sair de casa.
No começo da noite, no meio da viagem, meus olhos despertaram num sobressalto: Que saudade dessa belorizontalmonumentalidade!
Foi o mais sintético a que consegui chegar pondo em "palavras", o que foi a segunda coisa que me propus a fazer, quase sem pensar, tão logo pude adequar meus olhos àquela beleza, abarcando a totalidade da visão impressionante, paisagem/ átimo; não mais que uma linha - mas que linha! - recompondo, então, aos blocos, meus pensamentos.
Na verdade o que os olhos pensaram foi uma amálgama intraduzível de coisas numa tonalidade emocional que seria impossível descrever aqui, passados já três dias, e de forma textual.
Isso fez surgir duas coisas em meu espírito (agora tá parecendo manual filosófico, rsrs): tive uma experiência de uma beleza espontaneamente manifesta, que irrompeu onde não esperava vê-la, sem que eu tivesse preparado meus olhos para ver um quadro - e que magnífica e estranha tela uma janela de ônibus (de omnibus?)!
Segundo: minha inclinação imediata foi a de comunicar, como num instinto animal, gregário, ainda que o pensamento seguido, triste mas ainda inebriado de beleza fosse: Como? E com quem? Com que olhos conversam os meus? De quem sinto falta como desse horizonte?
Foi o modo estranho como percebi uma série de coisas sobre o que costumo chamar de mim mesmo, assim como reforçaram-se as percepções de que em algum sentido, o senso comum prevalece e que, mais uma vez, os clichês têm sua razão de ser.

Há imagens que valem mais que mil palavras.
Ninguém é uma ilha.

Segue pa(i)radoxalmente o desafio de 'comunicar' a beleza, ao qual se referia Einsenstein em "O Sentido da Obra": será que dá pra decompor a experiência vivenciada e reconstruí-la mediante expressões intermediárias para que o agora interlocutor de arte possa refazer a seu modo o quadro, o filme, a obra aberta, a partir de suas imagens e conteúdos pessoais e culturais?
Ufa! Cansa as retinas, só de pensar.

20 outubro, 2010

La(r)va de vulcão.

Tenho feito péssimas coisas a algumas pessoas durante a minha vida. Perpetrei gestos repulsivos, alguns que considero realmente imperdoáveis.
Ingratidão,
inveja,
despeito,
desprezo,
omissão
(, chatice!)...
Mas nada se compara ao que tenho feito a mim mesmo.
Ao que me forcei a ser.
À frieza e ao tédio hediondo a que decidi acostumar.
Ao que me torne(h)ei.
Essa preguiça, mortal, de viver.
Essa luxúria que azedou e que quando é calma,
é tristeza, reclame em letras garrafais.
Essa autopiedade monumental, comprimindo implosiva a espinha.
Esse medo condensado. Medusante. De tudo.
Sobretudo esse ódio, tumor espiritual
que do riso alheio se alimenta
e derova sem sentir a ternura dos olhares partilhados.
Ódio que, represado
ou canalizado,
é inalienável.
Marémotocontínuo,
eternamente retornando ao mar-
negro, ao mar-
morto, ao mar-
asmo.
De tudo me priva, exceto da culpa,
vasta culpa,
peso monumental,
morto,
onde jaz indelevelmente inscrito um signo sem designo.
Mais sonora que o miolo mecânico de um Big Ben.
Pendendo desproporcional
à guisa de medalhão do peito encovado,
acorrentado. Não adianta... (tic)
Não adianta... (tac)

Levantei muros, altos, densos, para poder gritar em silêncio.
Cerrei os olhos e encolhi de tamanho.
Preso a uma folha
(de papel) secretei (em branco)
queratina
(pautado) em desespero.
Termostato cravado no inverno glacial,
ar intelectual condicionado. Centrado.
Nas mãos, as unhas crescendo, pra dentro das mãos cerradas;
adentram a carne consumida, lacerando os ossos magros, tocando os nervos em surda cacofonia.
Fora, a descompostura do corpo.
E o desconcerto expressivo do rosto,
prolongamento ridículo da má formação que é o eu frente aos outros.

Olho.
Por trás desses polidos prismas esféricos, castanhos
de âmbar
(DE MERDAAAAAAAAAA)
observo, entre taxidérmico e peristáltico, aquilo que chamam vida,
lá fora. A dois palmos do nariz observo
à distância aqueles que são alegres e que a amam.
Cheios de opiniões e complacências, arrastando grandes verdades
e empurrando pequenos amores.
Pululam festivamente pela sua superfície de crateras.
Imperfeita mesmo, como só ela, vida chã, vida sã.

Eu. Eu não tenho nada.
Eu não tenho substância,
nem essência,
nem planos a curto prazo.
Vida vã.
Só a consciência,
alguma dor,
o álcool e
paciência.
Sonho
(artifício)
que um dia explodo.
Finjo gravidade e minto que sou bom.


Bom é o raro,
o abstrato,
o rarefeito. Suposição teorética.
No máximo possibilidade.
A maldade, além de ponto de vista constituído, é estatísica,
tem histórico e base experimental.

Mas, não temam.
Eis que o vulcão estremece.

19 outubro, 2010

Passei Toda a Noite

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.



(Passei toda a noite, Alberto Caeiro in O Pastor Amoroso, 10-7-1930)

12 outubro, 2010

Pulta que o parau!

Pense na coisa mais inteligente que você sempre quis dizer. Algo surpreendente, existencial e profundo, que te levou um porralhão de tempo pra sacar.

Pensou?

Agora abra o Pessoa: vai estar lá!
E melhor. kkk

10 outubro, 2010

Da Timidez

Ser um tímido notório é uma contradição. O tímido tem horror a ser notado, quanto mais a ser notório. Se ficou notório por ser tímido, então tem que se explicar. Afinal, que retumbante timidez é essa, que atrai tanta atenção? Se ficou notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se enganando junto com os outros e sua timidez seja apenas um estratagema para ser notado. Tão secreto que nem ele sabe. É como no paradoxo psicanalítico, só alguém que se acha muito superior procura o analista para tratar um complexo de inferioridade, porque só ele acha que se sentir inferior é doença.

Todo mundo é tímido, os que parecem mais tímidos são apenas os mais salientes. Defendo a tese de que ninguém é mais tímido do que o extrovertido. O extrovertido faz questão de chamar atenção para sua extroversão, assim ninguém descobre sua timidez. Já no notoriamente tímido a timidez que usa para disfarçar sua extroversão tem o tamanho de um carro alegórico. Daqueles que sempre quebram na concentração. Segundo minha tese, dentro de cada Elke Maravilha existe um tímido tentando se esconder e dentro de cada tímido existe um exibido gritando "Não me olhem! Não me olhem!" só para chamar a atenção.

O tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando entra numa sala, todas as atenções se voltam para ele e para sua timidez espetacular. Se cochicham, é sobre ele. Se riem, é dele. Mentalmente, o tímido nunca entra num lugar. Explode no lugar, mesmo que chegue com a maciez estudada de uma noviça. Para o tímido, não apenas todo mundo mas o próprio destino não pensa em outra coisa a não ser nele e no que pode fazer para embaraçá-lo.

O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.

O tímido tenta se convencer de que só tem problemas com multidões, mas isto não é vantagem. Para o tímido, duas pessoas são urna multidão. Quando não consegrie escapar e se vê diante de uma platéia, o tímido não pensa nos membros da platéia como indivíduos. Multiplica-os por quatro, pois cada indivíduo tem dois olhos e dois ouvidos. Quatro vias, portanto, para receber suas gafes. Não adianta pedir para a platéia fechar os olhos, ou tapar um olho e um ouvido para cortar o desconforto do tímido pela metade. Nada adianta. O tímido, em suma, é uma pessoa convencida de que é o centro do Universo, e que seu vexame ainda será lembrado quando as estrelas virarem pó.
(VERÍSSIMO, Luís Fernando in Comédias da Vida Pública, L&PM Editores, 1997.)

09 outubro, 2010

07 outubro, 2010

Halta definizione!

Pra quem se amarra em pintura e, como eu, não tem tempo de ir à Galleria degli Uffizi.
Leonardo, Verorocchio, Bronzino ou Caravaggio, a escolher.
http://www.haltadefinizione.com/home.jsp?lingua=it
Por analogia, rapeize, é mais ou menos uma final de campeonato brasileiro numa TV digital de plasma. kkkk
Sin perder la infamia, jamás! XD

01 outubro, 2010

Pictórico em Wölfflin

(...) Em seu lábio cansado um sorriso luzia.
E era o sorriso eterno e sutil da ironia. (...)

Manoel Bandeira, Menipo, 1907.



Diego Velázquez - Menipo (1639 - 1640).
Óleo sobre tela, 179 cm × 94 cm
Museu do Prado, Madri, Espanha.



Somos surpreendidos pela figura que parece reagir à nossa presença denunciada. Afronta-nos sem subterfúgios num golpe de vista. Devolve-nos o olhar numa crueza que perpassa todo a pintura: economia na paleta, fatura rápida e concisa, modelagem por massas mais ou menos homogêneas de luz e obscuridade.
Além, mergulhado nesse átimo, nessa súbita interrupção destacando-se sutil mas energicamente desse conjunto apreendido pelo olhar, insinua-se o jarro. E embora fugidio em sua intangibilidade, em aparente suspensão, sua presença afirma-se decisivamente, insustentável presença pictórica. Exige do observador o reconhecimento frente à ambigüidade essencial da existência do mundo, do caráter impalpável, supramaterial e do ritmo surdo, próprio da vida das coisas, sua música.
É uma silhueta? É sua sombra projetada? É o jarro mesmo? Em sua incontinência parece ora projetar-se ora recuar à medida que os olhos optam por uma ou outra solução.
É fundamentalmente uma mancha de vermelho terroso, escuro, que ao mesmo tempo afirma e cria o espaço. Ponto para o qual confluem e pelo qual transitam identidades idealmente inconciliáveis, ser e parecer.
Emoldurado pelo imenso vácuo espacial da penumbra, o filósofo detém-se, zombeteiro: Zip!
Aponta-nos, em seu percurso, a faixa de negrume à direita, desferida numa pincelada impetuosa, aqui e ali interrompida, mas que instaura um complexo espacial dinâmico, cíclico.
Menipo, aquele que agora vê-se livre (da escravidão da forma nos perguntaria Panofsky), para onde ruma? Caluda! Não saberemos.
Aí está a beleza da coisa.

Sobre Heinrich Wölfflin
Sobre Erwin Panofsky

25 setembro, 2010

24 setembro, 2010

Bothering my House

Dr. Nolan - "Why do you value your failures more than your successes?"

House - "...successes only last until someone screws them up. Failures are forever."

Dr. Nolan - "So, you accept that fact? You accept that there is nothing you can do?"

House - "Okay, I accept the fact that there's nothing I can do. Now, what can I do?"

Dr. Nolan - "You acknowledge failure. And you move past it. You apologize."

House - "Wow. Powerful things these apologies. Get someone to jump off a building and you say two words and you move on with your life. Hardly seems fair."

Dr. Nolan - "You caused him pain. If the world is just, you have to suffer equally?" (Nolan chuckles.) "You're not God, House. You're just another screwed-up human being who needs to move on. Apologize to him. Let yourself feel better. Then you can learn to let yourself keep feeling better."

Eu também vou reclamar

Right now:
dor de cabeça, cansaço e frustração.
Poço de negatividade até a boca.
Esperando pela gota d'água.


All is loneliness before me
Loneliness before me.
Loneliness.

All is loneliness
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me.

All is loneliness
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness.

Loneliness come botherin' 'round my house
Loneliness come botherin'
Loneliness come botherin'
Loneliness come botherin' round my house
Loneliness

Loneliness come worryin' round my door
Loneliness come worryin'
Loneliness come worryin'
Loneliness come worryin' round my door
Loneliness, oh loneliness

All is
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness before me
Loneliness ...

( All Is Loneliness, Janis Joplin in 'Joplin in Concert' album, 1972)