28 outubro, 2010

No meio do caminho.

Havia passado seis meses em Guarulhos, predominantemente em meu percurso casa-Universidade; os últimos dias praticamente sem sair de casa.
No começo da noite, no meio da viagem, meus olhos despertaram num sobressalto: Que saudade dessa belorizontalmonumentalidade!
Foi o mais sintético a que consegui chegar pondo em "palavras", o que foi a segunda coisa que me propus a fazer, quase sem pensar, tão logo pude adequar meus olhos àquela beleza, abarcando a totalidade da visão impressionante, paisagem/ átimo; não mais que uma linha - mas que linha! - recompondo, então, aos blocos, meus pensamentos.
Na verdade o que os olhos pensaram foi uma amálgama intraduzível de coisas numa tonalidade emocional que seria impossível descrever aqui, passados já três dias, e de forma textual.
Isso fez surgir duas coisas em meu espírito (agora tá parecendo manual filosófico, rsrs): tive uma experiência de uma beleza espontaneamente manifesta, que irrompeu onde não esperava vê-la, sem que eu tivesse preparado meus olhos para ver um quadro - e que magnífica e estranha tela uma janela de ônibus (de omnibus?)!
Segundo: minha inclinação imediata foi a de comunicar, como num instinto animal, gregário, ainda que o pensamento seguido, triste mas ainda inebriado de beleza fosse: Como? E com quem? Com que olhos conversam os meus? De quem sinto falta como desse horizonte?
Foi o modo estranho como percebi uma série de coisas sobre o que costumo chamar de mim mesmo, assim como reforçaram-se as percepções de que em algum sentido, o senso comum prevalece e que, mais uma vez, os clichês têm sua razão de ser.

Há imagens que valem mais que mil palavras.
Ninguém é uma ilha.

Segue pa(i)radoxalmente o desafio de 'comunicar' a beleza, ao qual se referia Einsenstein em "O Sentido da Obra": será que dá pra decompor a experiência vivenciada e reconstruí-la mediante expressões intermediárias para que o agora interlocutor de arte possa refazer a seu modo o quadro, o filme, a obra aberta, a partir de suas imagens e conteúdos pessoais e culturais?
Ufa! Cansa as retinas, só de pensar.

20 outubro, 2010

La(r)va de vulcão.

Tenho feito péssimas coisas a algumas pessoas durante a minha vida. Perpetrei gestos repulsivos, alguns que considero realmente imperdoáveis.
Ingratidão,
inveja,
despeito,
desprezo,
omissão
(, chatice!)...
Mas nada se compara ao que tenho feito a mim mesmo.
Ao que me forcei a ser.
À frieza e ao tédio hediondo a que decidi acostumar.
Ao que me torne(h)ei.
Essa preguiça, mortal, de viver.
Essa luxúria que azedou e que quando é calma,
é tristeza, reclame em letras garrafais.
Essa autopiedade monumental, comprimindo implosiva a espinha.
Esse medo condensado. Medusante. De tudo.
Sobretudo esse ódio, tumor espiritual
que do riso alheio se alimenta
e derova sem sentir a ternura dos olhares partilhados.
Ódio que, represado
ou canalizado,
é inalienável.
Marémotocontínuo,
eternamente retornando ao mar-
negro, ao mar-
morto, ao mar-
asmo.
De tudo me priva, exceto da culpa,
vasta culpa,
peso monumental,
morto,
onde jaz indelevelmente inscrito um signo sem designo.
Mais sonora que o miolo mecânico de um Big Ben.
Pendendo desproporcional
à guisa de medalhão do peito encovado,
acorrentado. Não adianta... (tic)
Não adianta... (tac)

Levantei muros, altos, densos, para poder gritar em silêncio.
Cerrei os olhos e encolhi de tamanho.
Preso a uma folha
(de papel) secretei (em branco)
queratina
(pautado) em desespero.
Termostato cravado no inverno glacial,
ar intelectual condicionado. Centrado.
Nas mãos, as unhas crescendo, pra dentro das mãos cerradas;
adentram a carne consumida, lacerando os ossos magros, tocando os nervos em surda cacofonia.
Fora, a descompostura do corpo.
E o desconcerto expressivo do rosto,
prolongamento ridículo da má formação que é o eu frente aos outros.

Olho.
Por trás desses polidos prismas esféricos, castanhos
de âmbar
(DE MERDAAAAAAAAAA)
observo, entre taxidérmico e peristáltico, aquilo que chamam vida,
lá fora. A dois palmos do nariz observo
à distância aqueles que são alegres e que a amam.
Cheios de opiniões e complacências, arrastando grandes verdades
e empurrando pequenos amores.
Pululam festivamente pela sua superfície de crateras.
Imperfeita mesmo, como só ela, vida chã, vida sã.

Eu. Eu não tenho nada.
Eu não tenho substância,
nem essência,
nem planos a curto prazo.
Vida vã.
Só a consciência,
alguma dor,
o álcool e
paciência.
Sonho
(artifício)
que um dia explodo.
Finjo gravidade e minto que sou bom.


Bom é o raro,
o abstrato,
o rarefeito. Suposição teorética.
No máximo possibilidade.
A maldade, além de ponto de vista constituído, é estatísica,
tem histórico e base experimental.

Mas, não temam.
Eis que o vulcão estremece.

19 outubro, 2010

Passei Toda a Noite

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.



(Passei toda a noite, Alberto Caeiro in O Pastor Amoroso, 10-7-1930)

12 outubro, 2010

Pulta que o parau!

Pense na coisa mais inteligente que você sempre quis dizer. Algo surpreendente, existencial e profundo, que te levou um porralhão de tempo pra sacar.

Pensou?

Agora abra o Pessoa: vai estar lá!
E melhor. kkk

10 outubro, 2010

Da Timidez

Ser um tímido notório é uma contradição. O tímido tem horror a ser notado, quanto mais a ser notório. Se ficou notório por ser tímido, então tem que se explicar. Afinal, que retumbante timidez é essa, que atrai tanta atenção? Se ficou notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se enganando junto com os outros e sua timidez seja apenas um estratagema para ser notado. Tão secreto que nem ele sabe. É como no paradoxo psicanalítico, só alguém que se acha muito superior procura o analista para tratar um complexo de inferioridade, porque só ele acha que se sentir inferior é doença.

Todo mundo é tímido, os que parecem mais tímidos são apenas os mais salientes. Defendo a tese de que ninguém é mais tímido do que o extrovertido. O extrovertido faz questão de chamar atenção para sua extroversão, assim ninguém descobre sua timidez. Já no notoriamente tímido a timidez que usa para disfarçar sua extroversão tem o tamanho de um carro alegórico. Daqueles que sempre quebram na concentração. Segundo minha tese, dentro de cada Elke Maravilha existe um tímido tentando se esconder e dentro de cada tímido existe um exibido gritando "Não me olhem! Não me olhem!" só para chamar a atenção.

O tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando entra numa sala, todas as atenções se voltam para ele e para sua timidez espetacular. Se cochicham, é sobre ele. Se riem, é dele. Mentalmente, o tímido nunca entra num lugar. Explode no lugar, mesmo que chegue com a maciez estudada de uma noviça. Para o tímido, não apenas todo mundo mas o próprio destino não pensa em outra coisa a não ser nele e no que pode fazer para embaraçá-lo.

O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.

O tímido tenta se convencer de que só tem problemas com multidões, mas isto não é vantagem. Para o tímido, duas pessoas são urna multidão. Quando não consegrie escapar e se vê diante de uma platéia, o tímido não pensa nos membros da platéia como indivíduos. Multiplica-os por quatro, pois cada indivíduo tem dois olhos e dois ouvidos. Quatro vias, portanto, para receber suas gafes. Não adianta pedir para a platéia fechar os olhos, ou tapar um olho e um ouvido para cortar o desconforto do tímido pela metade. Nada adianta. O tímido, em suma, é uma pessoa convencida de que é o centro do Universo, e que seu vexame ainda será lembrado quando as estrelas virarem pó.
(VERÍSSIMO, Luís Fernando in Comédias da Vida Pública, L&PM Editores, 1997.)

09 outubro, 2010

07 outubro, 2010

Halta definizione!

Pra quem se amarra em pintura e, como eu, não tem tempo de ir à Galleria degli Uffizi.
Leonardo, Verorocchio, Bronzino ou Caravaggio, a escolher.
http://www.haltadefinizione.com/home.jsp?lingua=it
Por analogia, rapeize, é mais ou menos uma final de campeonato brasileiro numa TV digital de plasma. kkkk
Sin perder la infamia, jamás! XD

01 outubro, 2010

Pictórico em Wölfflin

(...) Em seu lábio cansado um sorriso luzia.
E era o sorriso eterno e sutil da ironia. (...)

Manoel Bandeira, Menipo, 1907.



Diego Velázquez - Menipo (1639 - 1640).
Óleo sobre tela, 179 cm × 94 cm
Museu do Prado, Madri, Espanha.



Somos surpreendidos pela figura que parece reagir à nossa presença denunciada. Afronta-nos sem subterfúgios num golpe de vista. Devolve-nos o olhar numa crueza que perpassa todo a pintura: economia na paleta, fatura rápida e concisa, modelagem por massas mais ou menos homogêneas de luz e obscuridade.
Além, mergulhado nesse átimo, nessa súbita interrupção destacando-se sutil mas energicamente desse conjunto apreendido pelo olhar, insinua-se o jarro. E embora fugidio em sua intangibilidade, em aparente suspensão, sua presença afirma-se decisivamente, insustentável presença pictórica. Exige do observador o reconhecimento frente à ambigüidade essencial da existência do mundo, do caráter impalpável, supramaterial e do ritmo surdo, próprio da vida das coisas, sua música.
É uma silhueta? É sua sombra projetada? É o jarro mesmo? Em sua incontinência parece ora projetar-se ora recuar à medida que os olhos optam por uma ou outra solução.
É fundamentalmente uma mancha de vermelho terroso, escuro, que ao mesmo tempo afirma e cria o espaço. Ponto para o qual confluem e pelo qual transitam identidades idealmente inconciliáveis, ser e parecer.
Emoldurado pelo imenso vácuo espacial da penumbra, o filósofo detém-se, zombeteiro: Zip!
Aponta-nos, em seu percurso, a faixa de negrume à direita, desferida numa pincelada impetuosa, aqui e ali interrompida, mas que instaura um complexo espacial dinâmico, cíclico.
Menipo, aquele que agora vê-se livre (da escravidão da forma nos perguntaria Panofsky), para onde ruma? Caluda! Não saberemos.
Aí está a beleza da coisa.

Sobre Heinrich Wölfflin
Sobre Erwin Panofsky