22 janeiro, 2011

Claro enigma

O rosto de cada pessoa com quem me deparo é um flagrante mistério. Gosto de me demorar nessas investidas sobre as máscaras dos outros - das quais são quase tão inconscientes quanto seu peristaltismo -, de passear nessa carnetectura ambulante.
Naturalmente, me atraem uns rostos mais que outros. Me pergunto se o critério é mais universal (como simetria, por exemplo) ou particular (como memórias afetivas latentes). Não sei se concordam comigo, mas penso que a nossa tendência é projetar uma série de conteúdos em pessoas que possuem determinados traços familiares, que supostamente carregariam, como num estigma fisignominiano. Um traço parece figurar toda uma personalidade. De onde vêm esses arquétipos? São construções? De natureza predominantemente psicológica ou social? São as mesmas para todos, como o são o vermelho ou o azul?
Nessa matéria, particularmente, não tenho senão dúvidas.
Não tenho travado, há tempos, conversas pessoais sobre essas questões, para mim tão intrigantes, absolutamente fascinantes, diria. Eis um passatempo que muito me agradava em tempos idos, mas que agora hesito em compartilhar, assim como assuntos de cunho pessoal, por diversos motivos, e isso inclui uma introversão que de certa forma beira o patológico (embora mesmo isso tenha suas compensações e vantagens). "Quem pensa demais acaba ficando triste", admoestava o status do orkut de uma amiga minha (cujo semblante, "essa cara torta", por coincidência ou não, é também uma de minhas paisagens prediletas).
Talvez, talvez. Depende no quê e como a gente pensa. E pra quê. (De preferência a gente deveria pensar pra nada, mas isso é algo inviável, quase impossível pra muitos de nós hoje...) Será verdade que, se a gente pensa por muito tempo - e se for mesmo verdade que quem pensa, entristece -, isso fica estampado na nossa cara?
Pode ser... De certa forma a gente também vai marcando sem sentir o próprio rosto, fabricando a nossa própria máscara. Diretamente, se a gente expressa o que está sentindo, ou indiretamente se a gente faz cara de alegre, quando na verdade está triste.
Como as mãos, o rosto trabalha, empenha-se em produzir, é também ferramenta. É mais um empregado, candidato a funcionário padrão.
Sorrisos de atendente, de vendedor, garota propaganda.
Carranca, de professor, de policial.
Contorcionismo puro de ator e atriz.
Cartão postal, cartão de visita, de memória, de crédito(!)... máscara.
E como as mãos, o rosto vai ganhando linhas (linhas da vida, linhas do coração).
Algumas são praticamente inevitáveis: olheiras de pouco sono, irritação do ritmo opressivo do trabalho; ou de lágrimas de um luto prolongado, pela perda de algum ente querido.
Sobretudo, sustentamos que rostos são calmos, penetrantes, alguns engraçados, outros profundos, marcados, provocantes, sofridos, ora patéticos, ora animalescos...
Extensa galeria, carniceria, no espaço-tempo, condensação do sentimento de mistério infinito, do eterno no visível. Encaramos a vida.
Dizia Malevich, no Manifesto suprematista de 1915: "Os pintores sempre foram parciais no uso do rosto humano em suas representações, por nele terem visto (o versátil, móvel, mímico expressivo) o melhor veículo pelo qual este transmite seus sentimentos."
Concordo, por tudo o que disse anteriormente.
Não vejo senão como um desafio intransponível, um modo de ser imparcial sem abrir mão da figuração desse objeto composicional tão curioso. É um êxtase (egoísta, mas um êxtase) contemplar Elizabeth Chanler, de John Singer Sargent. É um deleite pessoal, independente das implicações eminentemente conceituais, formais, elevadas, rarefeitas, da obra de arte. Êxtase que tem algo do kitsch, efeitismo, sentimento de prazer desencadeado e orientado pelo encantamento fácil da pintura figurativo-decorativa.
O que dizer?
Gosto do clichê, gosto do kitsch (redundância), gosto de contemplar esses rostos, como gosto de ser observado.
Meu analista costumava apontar o fato de que, nas representações da Virgem, quase sempre hieráticas, ela nunca olhava o menino.
Talvez também por isso, me questiono, Jesus tenha se transmutado no Cristo. rs
Iconoclasmas à parte, vamos parando por aqui que isso está ficando deveras viajante.
Só faltaram os Beatles. kkk

Ainda mais caricas.

Caricas do pessoal do Colégio Marista. Valeu, povo!