29 junho, 2012

Do terror e do emprego do terrorismo.

Você começa a ler um artigo sobre a iconografia de anjos na História da Arte (1) - talvez a mais alta das abstrações a que alguém poderia recorrer para fugir ao cotidiano - e, sem que você se dê conta, eis que a realidade - política, como não poderia deixar de ser - invade a leitura, agarra-se à interpretação, lhe puxando de volta num turbilhão que acaba, vez após vez, no impacto doído contra o concreto armado.
E há acaso algo que escape à gravidade do contemporâneo?

"Kant despoja a estética de Burke do que penso ser o seu maior desafio: mostrar que o sublime é provocado pela ameaça de nada ocorrer. O belo dá um prazer positivo. Existe, porém, outro tipo de prazer ligado a uma paixão mais forte do que a satisfação, que é dor e a aproximação da morte. [...] No léxico de Burke, esta paixão extremamente espiritual chama-se terror. Ora, os terrores estão ligados a privações: privação da luz, terror das trevas; privação do outro, terror da solidão; privação da linguagem, terror do silêncio; privação dos objetos, terror do vazio; privação da vida, terror da morte. O que é assustador, é que o 'ocorrerá' não ocorra, cesse de ocorrer.
Para que este terror se misture com o prazer e componha com ele o sentimento sublime, é ainda necessário, escreve Burke, que a ameaça que o engendra seja suspendida, mantida a uma certa distância, retida."(2)

Sublime... e estranhamente familiar.
A propósito, uma das possíveis origens da palavra sublime é a concepção de se estar sob o estrado de uma porta a comtemplar a amplidão que não encontramos no interior. Do latim sub (sob) + límen ou limis (o limen, o lintel), que está também ligada à noção de limiar, "estar no limite", a um passo além do qual a segurança, sumamente doméstica, estaria ameaçada (sensação de deja vu).
Tudo isso nos faz pensar sobre uma certa incoerência da noção de "ação terrorista". Afinal o que é o terrorismo senão um suspender, um paralisar?
Não poderia o terrorismo, no final das contas, ser definido como um mal-Estar instituído e generalizado?





(1) CALIANDRO, Stefania. O Anjo na Arte Contemporânea -  iconologia de uma presença da ausência. Cadernos de Semiótica Aplicada, Vol. 7.n.2, dezembro de 2009.
(Hiperlink disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/casa/article/view/2322/1872)

(2) LYOTARD, [1988a, p. 110 do original] 1989a, p. 103. Retomando e criticando Kant a propósito do sublime, Lyotard (ibidem, [p. 110-111] trad. portuguesa. p. 104) Apud. CALIANDRO, op. cit.

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