01 outubro, 2010

Pictórico em Wölfflin

(...) Em seu lábio cansado um sorriso luzia.
E era o sorriso eterno e sutil da ironia. (...)

Manoel Bandeira, Menipo, 1907.



Diego Velázquez - Menipo (1639 - 1640).
Óleo sobre tela, 179 cm × 94 cm
Museu do Prado, Madri, Espanha.



Somos surpreendidos pela figura que parece reagir à nossa presença denunciada. Afronta-nos sem subterfúgios num golpe de vista. Devolve-nos o olhar numa crueza que perpassa todo a pintura: economia na paleta, fatura rápida e concisa, modelagem por massas mais ou menos homogêneas de luz e obscuridade.
Além, mergulhado nesse átimo, nessa súbita interrupção destacando-se sutil mas energicamente desse conjunto apreendido pelo olhar, insinua-se o jarro. E embora fugidio em sua intangibilidade, em aparente suspensão, sua presença afirma-se decisivamente, insustentável presença pictórica. Exige do observador o reconhecimento frente à ambigüidade essencial da existência do mundo, do caráter impalpável, supramaterial e do ritmo surdo, próprio da vida das coisas, sua música.
É uma silhueta? É sua sombra projetada? É o jarro mesmo? Em sua incontinência parece ora projetar-se ora recuar à medida que os olhos optam por uma ou outra solução.
É fundamentalmente uma mancha de vermelho terroso, escuro, que ao mesmo tempo afirma e cria o espaço. Ponto para o qual confluem e pelo qual transitam identidades idealmente inconciliáveis, ser e parecer.
Emoldurado pelo imenso vácuo espacial da penumbra, o filósofo detém-se, zombeteiro: Zip!
Aponta-nos, em seu percurso, a faixa de negrume à direita, desferida numa pincelada impetuosa, aqui e ali interrompida, mas que instaura um complexo espacial dinâmico, cíclico.
Menipo, aquele que agora vê-se livre (da escravidão da forma nos perguntaria Panofsky), para onde ruma? Caluda! Não saberemos.
Aí está a beleza da coisa.

Sobre Heinrich Wölfflin
Sobre Erwin Panofsky