27 fevereiro, 2008

Tree in the forest

Assista o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=hiZiHqNRgSI

Abaixo está a transcrição em português (Se preferir em inglês, o script dialogue está em: http://www.spaceboy.com.au/treeintheforestdialogue.pdf). 

“Um homem pode, sem seus ouvidos, ouvir como vai o esse mundo; ouvis com vossos olhos...” (essa frase é uma adaptação de um trecho de “Rei Lear”, de William Shakespeare)


Meu nome é Tina. Eu sou surda.
Mas eu não ligo.
Semana passada eu decidi formar uma banda.
Porque você não precisa ouvir pra tocar.
Aliás, você não precisa de ouvido pra fazer quase nada.
Minhas Barbies não ouvem e elas parecem muito felizes.
Dizem que quando uma pessoa perde um dos sentidos os outros se desenvolvem.
Quando eu toco violão, posso ver a música diante de mim, posso sentir as notas nos meus dedos e, apesar de não ouvi-la, não significa que a música não esteja lá.
Ninguém pode me dizer que eu não posso ouvir. Eu me viro bem com as pessoas. Então eu não conto a ninguém. O que os outros não sabem, não os machuca.

Se uma árvore cai na floresta e não tem ninguém pra ouvir, ela faz barulho?
Isso importa se você sabe que ela está caída? Há som, mesmo onde seu ouvido não possa ouvi-lo?

As pessoas pensam que precisam ser capazes de ouvir com o ouvido, mas não.
Você não precisa ouvir os outros pra entendê-los. E você não precisa ouvi-los pra saber que estão agradecidos.
Porque eu deveria dizer aos outros que sou surda, quando não preciso?
Meus olhos escutam e o fazem melhor do que o ouvido da maioria das pessoas. E, considerando o que faço, elas parecem gostar da minha música.
Apesar de ainda não ter uma banda, não sei onde vou achar uma.
Mas isso não me incomoda. Não preciso de uma banda pra tocar, como não preciso de ouvido.
Porque eu deveria dizer às pessoas que sou surda, quando não preciso?
Meus olhos escutam e o fazem melhor do que o ouvido da maioria delas.
Não é mesmo?

Estive pensando... Talvez eu não devesse ignorar o fato de que sou surda.
Talvez meus olhos não consigam escutar tudo.
Talvez eu devesse parar de fingir.
Talvez eu fosse mais feliz se não escondesse isso.
Talvez a única razão pela qual minhas Barbies pareçam tão felizes é porque cirurgia plástica faz isso com elas.
Talvez o que as pessoas não saibam as machuque.
E talvez... talvez você precise ouvir pra saber que se está agradecido.

Meu nome é Tina.
Apesar de surda, eu ainda consigo tocar violão.
Mas eu não posso fazer tudo.

E se uma árvore cai na floresta, e estou só eu, ela não faz barulho.
Eu posso vê-la cair... sentir a poeira no ar, e o vento que sopra...
mas não posso ouvir.
E a partir de agora...
não vou fingir que posso.

17 fevereiro, 2008

Bloqueio

("Casario", óleo sobre tela, 30x40)

Estou pintando este quadro desde 2005! Não sei por que, mas ele tem a incrível capacidade de permanecer inacabado! É pessoal o negócio... RS.

14 fevereiro, 2008

Porque criar é destruir.

(Sem título, grafite editado digitalmente, A4)

De todo o meu passado
Boas e más recordações
Quero viver meu presente
E lembrar tudo depois...

Nessa vida passageira
Eu sou eu, você é você
Isso é o que mais me agrada
Isso é o que me faz dizer...

Que vejo flores em você!...

De todo o meu passado
Boas e más recordações
Quero viver meu presente
E lembrar tudo depois...

Nessa vida passageira
Eu sou eu, você é você
Isso é o que mais me agrada
Isso é o que me faz dizer...

Que vejo flores em você!
Que vejo flores em você!
Que vejo flores em você!
Que vejo flores em você!...

(Flores em você, Ira!)

Acho que minha anima está um pouquiiiiiiiiinho detonada!

Ânimo!

(Bem, lá se foi o senso de humor também! Esquece a piada infame... Ânimo?! Tsc, tsc...)

13 fevereiro, 2008

Número é uma palavra. Ele é palavra. Mente, palavra. Tudo palavra.

("A ...", grafite editado digitalmente, A4) 

Hera, ela, deusa, Kali, bela, pura, Ísis, Inanna, Ístar, Annapurna, noturna, Hel, céu, Vênus, Deméter, Eva, Medusa, dura, Sibila, Cibele, minha, dona, Madonna, Pandora, Helena de Tróia,  Atena, Senhora, Virgem, reza, ave, Maria, ora, Madalena, Babilônia, Besta, Wicca, bruxa, fada, ogra, santa, sua, aranha, nua, Nut, noite, Diana, lua, teia, cheia, teta, terra, serpente, água, fonte, minguante, Gaia, generosa, donzela, ardente, solícita, cobra, venenosa, rapariga, esfinge, sereia, carne, castradora, muralha, fenda, fortaleza, delicada, labirinto, espelho, árvore, porta, casa, poço, moça, Réia, rainha, menarca, racha, láctea, Andrômeda, galáxia, estrela, vaca, sede, lágrima, ninho, gazela, redentora, porca, pérola, costela, ostra, outra, gruta, fêmea, fera, devoradora, vagina, irmã, esposa, mulher, mater, matéria, madrasta, mãe, mama, útero, universo, menopausa, vó, sábia, vida, voz, morte, palavra... 

"_Rolei a escada... não foi nada." (cantarolando) "_Lá vem o pato..."

("Maledita", grafite editado digitalmente, A4)

"Vem!", exclamou Matilda alegre. Ambrosio teve um estremecimento e esperou, aterrorizado, o demônio." (Mathew G. Lewis in O Monge, 1796)

"Donamatildamalditatalidomida: malemaladanadateanimaelatedominaamaledita!"

("Estudo de figura humana", esferográfica digitalmente editada, A4)

Da solidão

Sequioso de escrever um poema que exprimisse a maior dor do mundo, Poe chegou, por exclusão, à idéia da morte da mulher amada. Nada lhe pareceu mais definitivamente doloroso. Assim nasceu "O corvo": o pássaro agoureiro a repetir ao homem sozinho em sua saudade a pungente litania do "nunca mais".

Será esta a maior das solidões? Realmente, o que pode existir de pior que a impossibilidade de arrancar à morte o ser amado, que fez Orfeu descer aos Infernos em busca de Eurídice e acabou por lhe calar a lira mágica? Distante, separado, prisioneiro, ainda pode aquele que ama alimentar sua paixão com o sentimento de que o objeto amado está vivo. Morto este, só lhe restam dois caminhos: o suicídio, físico ou moral, ou uma fé qualquer. E como tal fé constitui uma possibilidade - que outra coisa é a Divina comédia para Dante senão a morte de Beatriz? - cabe uma consideração também dolorosa: a solidão que a morte da mulher amada deixa não é, porquanto absoluta, a maior solidão.

Qual será maior então? Os grandes momentos de solidão, a de Jó, a de Cristo no Horto, tinham a exaltá-la uma fé. A solidão de Carlitos, naquela incrível imagem em que ele aparece na eterna esquina no final de Luzes da cidade, tinha a justificá-la o sacrifício feito pela mulher amada. Penso com mais frio n'alma na solidão dos últimos dias do pintor Toulouse-Lautrec, em seu leito de moribundo, lúcido, fechado em si mesmo, e no duro olhar de ódio que deitou ao pai, segundos antes de morrer, como a culpá-lo de o ter gerado um monstro. Penso com mais frio n'alma ainda na solidão total dos poucos minutos que terão restado ao poeta Hart Crane, quando, no auge da neurastenia, depois de se ter jogado ao mar, numa viagem de regresso do México para os Estados Unidos, viu sobre si mesmo a imensa noite do oceano imenso à sua volta, e ao longe as luzes do navio que se afastava. O que se terão dito o poeta e a eternidade nesses poucos instantes em que ele, quem sabe banhado de poesia total, boiou a esmo sobre a negra massa líquida, à espera do abandono?

Solidão inenarrável, quem sabe povoada de beleza... Mas será ela, também, a maior solidão? A solidão do poeta Rilke, quando, na alta escarpa sobre o Adriático, ouviu no vento a música do primeiro verso que desencadeou as Elegias de Duino, será ela a maior solidão?

Não, a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.




(Vinícius de Moraes in "Para viver um grande amor - crônicas e poemas")